Tem causado muita polêmica a recente decisão do governo federal, de 21 de março de 2025, de permitir o empréstimo consignado para os trabalhadores da iniciativa privada tendo por base o saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) por meio do aplicativo Carteira de Trabalho Digital. Mas, essa é uma boa iniciativa do ponto de vista do trabalhador? É o que vamos analisar neste artigo.
O FGTS foi criado pela Lei nº 5.107 de 13 de setembro de 1966 como uma alternativa a estabilidade do emprego até então vigente no Brasil. Trata-se de uma poupança para o empregado, aberta pelo empregador e mantida na Caixa Econômica Federal, agente operadora do fundo, sendo o valor do depósito equivalente a 8% da remuneração do funcionário. Atualmente, o FGTS está regulado pela Lei 8.036 de 11 de maio de 1990 e pelo Decreto nº 99.684 de 08 de novembro de 1990.
O valor acumulado no FGTS com os depósitos do empregador pertencem ao empregado e podem ser resgatados nas seguintes situações: por demissão sem justa causa; na oficialização da aposentadoria; quando o trabalhador ou seus dependentes são acometidos por doenças graves; quando o trabalhador atinja 70 anos de idade, mesmo que ainda esteja trabalhando ; no caso de falência da empresa em que o trabalhador atua; para amortização do financiamento da casa própria; em situações de calamidade pública ou desastres naturais e no saque aniversário, criado em 2019, pela Lei nº 13.932, em que é permitida a retirada de parte do dinheiro do fundo em todos os anos no mês de nascimento.
Como se pode observar, o trabalhador não dispõe de liberdade para usufruir do valor acumulado no FGTS, exceto pelo saque aniversário que o governo federal deseja extinguir, e fora essa opção, há restrições aos momentos em que o trabalhador pode dispor dos valores.
Quando se trata da utilização dos valores acumulados, o governo federal, por meio da Caixa Econômica Federal aplica os recursos em obras de infraestrutura, saneamento e habitação. Para o trabalhador, o resultado do FGTS é um rendimento de 3,00% ao ano, mais correção da Taxa Referencial (TR) mais eventuais dividendos recebidos dos investimentos realizados. Para melhor visualização, comparemos o rendimento do funcho contra a inflação brasileira nos últimos dez anos.
Ano Juros TR Distribuição de Remuneração Inflação Remuneração
FGTS (%) FGTS (%) Lucros FGTS (%) Total FGTS (%) (IPCA) (%) Poupança (%)
2005 3,00 2,50 - 5,5 5,69 9,20
2006 3,00 2,00 - 5,0 3,14 8,40
2007 3,00 1,80 - 4,8 4,46 7,77
2008 3,00 1,60 - 4,6 5,90 7,90
2009 3,00 0,70 - 3,7 4,31 6,92
2010 3,00 0,90 - 3,9 5,91 7,10
2011 3,00 1,20 - 4,2 6,50 7,50
2012 3,00 0,30 - 3,3 5,84 6,47
2013 3,00 0,20 - 3,2 5,91 6,37
2014 3,00 0,90 - 3,9 6,41 7,10
2015 3,00 1,80 - 4,8 10,67 8,07
2016 3,00 2,01 2,14 7,2 6,29 8,30
2017 3,00 0,60 1,72 5,3 2,95 6,60
2018 3,00 0,00 1,29 4,3 3,75 4,55
2019 3,00 0,00 1,84 4,8 4,31 4,26
2020 3,00 0,00 1,86 4,9 4,52 2,11
2021 3,00 0,00 1,83 4,8 10,06 2,94
2022 3,00 0,00 1,00 4,0 5,79 6,17
2023 3,00 0,00 1,62 4,6 4,62 7,89
2024 3,00 0,00 - - 4,83 7,09
Fontes: IBGE; Ministério do Trabalho e Emprego; CEF; BACEN. Tabela montada com suporte de Inteligência Artificial.
A tabela nos mostra que, nos últimos vinte anos, em onze, a inflação oficial foi maior que a remuneração ofertada pelo FGTS. E que a remuneração sofreu uma melhoria apenas a partir de 2016 quando o Fundo passou a distribuir aos trabalhadores parte dos lucros obtidos com os investimentos que utilizaram as verbas do FGTS. Porém, comparando-se a renumeração oficial com a remuneração da poupança, aplicação mais popular do país, a poupança venceu a remuneração do Fundo em dezesseis dos vinte anos.
Tudo isso deve estar em mente quando se considera a nova modalidade de empréstimo consignado com utilização do FGTS como garantia. Em primeiro lugar, significa um endividamento que pode prejudicar o trabalhador, uma vez que a remuneração do Fundo é muito menor do que os valores cobrados de juros pelo empréstimo pelos bancos. Note que a remuneração mais alta que o FGTS deu, em 2016, foi de 7,2% ao ano, ao passo que os juros cobrados são de vã de 1,5% a 3% ao mês, equivalente a taxa de 19,56% a 42,58% ao ano.
Portanto, o trabalhador pode perder os valores bloqueados como garantia, mais os valores a receber como multa rescisória pelo rompimento do contrato de trabalho para pagamento do empréstimo e, ainda assim, continuar devendo ao banco.
Outra questão importante que o trabalhador deve considerar é que haverá redução da disponibilidade salarial, pois todo mês, será desconto no contracheque, o valor da prestação do empréstimo. E o ideal é que não haja comprometimento maior do que 30% da renda. Se já existem outras obrigações ou empréstimos, a adição de mais um pode comprometer a qualidade de vida.
Assim, verifique muito bem antes de assumir o empréstimo consignado com base no FGTS. O valor do Fundo existe para ajudar em momentos de emergência, de maior fragilidade. Verifique se vale a pena dispor dele para consumo. Provavelmente, não. Sairá mais barato, embora tome algum tempo, usar de disciplina, poupar mensalmente para acumular o valor necessário e, obtendo o saldo, adquirir o bem, pois a satisfação com uma aquisição de menor valor é provisória, mas a tranquilidade de estar amparado para situações de emergência é permanente.
Reflita sobre isso e até a nossa próxima coluna!
Prof. Drauzio Rezende Jr - Economista e contador. Presta consultoria para Micro e Pequenas Empresas e atua como professor no Mestrado em Ecodesenvolvimento e Gestão Ambiental e em cursos de graduação da UNITAU - Universidade de Taubaté.